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'Acessível e simples': brasileiro que jantou com cardeal Prevost comenta impressão sobre novo papa

Para quem dirige uma instituição ligada à Igreja Católica em Roma, não é incomum, em eventos, dividir a mesa de uma refeição com um religioso ligado à Santa Sé. Contudo, a partir do momento que este religioso se transforma no novo papa, esta experiência então ligeiramente comum é ressignificada como histórica, memorável.

É mais ou menos isso o que passa na cabeça do jornalista e vaticanista brasileiro Filipe Domingues, de 38 anos.

Ele mora em Roma, onde dirige a entidade Lay Centre, uma residência universitária e centro de formação para estudantes e jovens profissionais de instituições católicas. E, doutor em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Gregoriana, também atua como professor nessa instituição de ensino superior.

Em maio de 2024, o cardeal Robert Prevost jantou no Lay Centre. Além de Domingues, estiveram na mesa um pequeno grupo de estudantes que falavam espanhol. Seis meses depois, houve um novo encontro mais pessoal com o hoje papa Leão XIV — foi um almoço em um hotel no bairro de Trastevere, em Roma, após evento organizado pelo Lay Centre com uma organização religiosa filantrópica norte-americana.

"Foram essas as duas vezes em que interagimos com mais atenção", comenta Domingues.

"Porque aqui em Roma é assim: toda hora você esbarra nas pessoas, depois que as conhece. São eventos em fundações, em universidades, ou alguma atividade qualquer."

Nos últimos anos, Domingues tem circulado com desenvoltura pela estrutura do Vaticano. Em 2018, por exemplo, ele foi consultor do Sínodo dos Bispos sobre os Jovens, convocado pelo papa Francisco (1936-2025).

Norte-americano de Chicago, com uma intensa vivência pastoral no Peru, Prevost já havia morado em Roma nos anos 1980, quando se doutorou pela Pontifícia Universidade Católica de São Tomás de Aquino; e depois, nos anos 2000, quando atuou como superior geral de sua ordem, os agostinianos.

Em 2023, nomeado por Francisco, assumiu o propalado Dicastério para os Bispos, um dos mais importantes da gestão do catolicismo. Foi quando seu nome começou se tornar mais importante nos corredores do Vaticano.

"Aquela decisão [de Francisco] foi um pouco uma surpresa", diz Domingues. "Foi quando o perfil dele meio que foi trazido à luz. Trata-se de um dicastério muito estratégico, talvez um dos mais poderosos, porque ajuda o papa a tomar decisões para as nomeações dos bispos em todo o mundo."

No Lay Centre, há uma tradição: às quartas, tem missa para a comunidade interna, normalmente de cerca de 25 pessoas, na capela da instituição. Cada semana, um sacerdote diferente é convidado para celebrar.

Quando Prevost se mudou para Roma, para assumir o dicastério, Domingues colocou-o no radar. Era interessante tê-lo ali, afinal sua experiência missionária e sua facilidade com idiomas seria um fator importante para uma comunidade internacional como é a dos residentes no Lay Centre.

"Tivemos uma dificuldade inicial de agenda, afinal ele havia acabado de chegar. Mas foi muito acessível, respondeu ao e-mail e não descartou. Ele fez questão de vir encontrar esses jovens", recorda o brasileiro.

"Quando houve a disponibilidade, ele disse 'eu quero ir, sim'", acrescenta.

Na data combinada houve uma surpresa inicial pela simplicidade. Ele não só recusou a oferta de que um motorista da instituição fosse buscá-lo como chegou sozinho, sem assessor nem motorista, dirigindo o próprio carro. "Mostrou simplicidade e autonomia", recorda o diretor. "Veio dirigindo, chegou, entrou, estacionou o carro."

A celebração foi simples, seguindo a liturgia do dia, em uma missa de cerca de 45 minutos. Os textos eram ora em italiano, ora em inglês — como o Lay Centre costuma fazer, sempre que possível, pelo fato de atender a uma comunidade internacional. "Quando o padre consegue fazer uma homilia em inglês, a gente pede que seja em inglês", diz ele.

Eram cerca de 25 pessoas na capela. "No final ele até brincou que 'nossa, vocês estão acostumados a ficar trocando inglês pelo italiano o tempo todo, eu fico um pouco confuso'", recorda-se Domingues.

Em seguida ele foi convidado para o jantar que costuma ocorrer na instituição. Como aceitou, Domingues recorda-se que acabou acomodando-o em uma mesa em que o idioma falado era o espanhol. "Ele conversou com todos, sempre muito próximo dos estudantes", afirma.

Não só era acessível e leve, como não parecia estar com pressa. Demonstrava disponibilidade. E todos ficaram felizes com essa sensação de que ele estava ali totalmente presente.

Após o jantar, ele topou participar de uma roda de conversa, em que explicou para o grupo o funcionamento do dicastério que acabava de assumir e ficou à disposição para responder perguntas.

"Ele contextualizou a experiência da condução do órgão e as propostas então do papa Francisco para o processo de consulta para a nomeação de um bispo. Foi sobre isso a conversa", lembra.

"Desde o princípio, achamos que ele era alguém muito simples e muito acessível. E também uma pessoa de profundidade espiritual", define.

Com benfeitores americanos
Seis meses depois, em novembro de 2024, ocorreu mais um encontro. Na ocasião, o Lay Centre estava na organização de um programa internacional para membros de uma fundação norte-americana baseada em Washington, a Foundations and Donors Interested in Catholic Activities (Fadica). "Então eu tive a ideia de convidá-lo para celebrar também", comenta.

Tinha tudo a ver, afinal, dada a sua origem norte-americana e a evidência que Prevost começava a ganhar em Roma.

A preocupação do Lay Centre, conforme esclarece Domingues, era passar a mensagem aos benfeitores americanos de que essas doações não podem se limitar ao "aspecto transacional", mas precisam também envolver a participação deles "no carisma de uma instituição".

Eram cerca de 40 pessoas no grupo e a missa de encerramento foi realizada na capela do mesmo hotel onde o evento ocorria, na região do Trastevere. "Convidei-o e no dia seguinte obtive a resposta aceitando. Ele sempre responde muito rapidamente", afirma Domingues.

"Queria que ele celebrasse porque era alguém muito espiritual e americano. Falaria bem para esse grupo. E sempre o vi como um seguidor fiel de Francisco", diz o diretor.

Ele conta que quando o recebeu e depois na sacristia, enquanto ele se preparava para a cerimônia, conversaram sobre a importância de que a homilia da missa passasse essa mensagem, a da necessidade do envolvimento dos doadores nos carismas das instituições católicas. E ele fez uma boa ligação dos textos da liturgia do dia, passando a mensagem. "Tudo de cabeça, sem ler", comenta. "Ele trouxe a liturgia para a realidade daquele grupo."

Ele recorda ainda que Prevost não pregou atrás do altar, distante do grupo. Ao contrário, desceu e se aproximou dos fiéis, transformando aquela reflexão em uma conversa intimista.

Ainda na sacristia, um grupo de freiras do convento que administra a tal capela foi lá conversar com ele, dizendo-se admiradoras de sua trajetória. Ele deu atenção a elas, mostrando-se disponível. Não parecia apressado. Ouviu e atendeu a cada uma. E ainda deu uma bênção especial, ali na sacristia.

"No convite eu havia informado que haveria um almoço, um almoço simples, de buffet, logo após o evento. E ele poderia ficar", recorda Domingues. O e-mail, que havia sido respondido por algum assessor do dicastério, dizia algo na linha "sobre o almoço ele ainda vai ver". "Eu interpretei como um não", conta o brasileiro.

"No fim, ele acabou ficando também. Eu o apresentei para a presidente da fundação e deixei-o com o grupo, para não ficar em cima", conta Domingues.

O brasileiro conta que Prevost estava nos planos da instituição para novos eventos neste ano. Agora, contudo, ficará um pouco mais difícil — para não dizer impossível.

BBC
Portal Santo André em Foco

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